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Archive for the ‘Dublagem Intelectual’ Category

Tradução – Lição II

Desobrigue a gramática. Parece ser evidente que conhecer as regras da língua para a qual se está traduzindo é importante – então esqueça isto por enquanto. Sim, esqueça. Porque é preciso compreender o motivo das regras, culturalmente. Como se compreende uma cultura? Uma tarefa que, para mim, demanda sensibilidade, folga – abandono. A humilhação está no cerne do entendimento.

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As chaminés da Pop Art

Que outra pessoa tem uma puta insônia à noite porque ficou fritando na crueldade da Pop Art? Sim, esse sou eu, já deixei até o Moleskine ao lado da cama para o caso de anotar os pensamentos da madrugada no papel, dizer boa noite e voltar à dormir, mas acontece que não adianta. Fiquei ligado essa noite porque não conseguia me desligar da imagem de Andy Warhol no livro Giant.

Sem dúvida alguma Andy Warhol criou vanguarda, ao trazer elementos do mundo fabril, capitalista, do mercado, ao trazer celebridades, drags e drogados para o foco da sua arte. E é isso o que faz dele um grande artista. Não há mensagem para se passar porque não há mensagem. Mas não é porque não há uma mensagem que se trata de uma arte vazia. A arte de Andy tem a força de um moinho satânico, porque ela desumaniza ao mesmo tempo em que cria um ícone. Quero dizer, ela tritura pouco a pouco os objetos que desenha. Eu acho que para compreender a sacada original na arte de Andy Warhol é preciso ter em mente a revolução industrial.

Edie Sedgwick e Andy Warhol - a biografia de Edie é um drama da Pop Art

Depois de folhear todo o livro ontem, a impressão que ficou foi a de que Andy Warhol criou as chaminés da Arte, quero dizer, e inclusive não por acaso o seu ateliê se chamava “The Factory”, nos seus filmes, nas suas pinturas, nos seus objetos, fica perceptível que o universo fabril não tem princípios sobre o ser humano. A este universo interessa o que é de plástico, o que se repete, o que substitui – interessado acima de tudo na sensação, em provocar interesse e chamar a atenção, a lata de sopa e a caixa de sabão não respeitam nada nem ninguém para fabricar um produto e torná-lo acessível, desejável – quero dizer, vendê-lo. Andy Warhol é o seu artista, seu criador, the boss.

Andy Warhol retratou a sociedade em que vivia. Fetiche, cinema, música, plástico e plástica, superstars, sexo, submundo, dinheiro, juventude, drogas e a inocente liberdade, tudo isso atraia a sua atenção enquanto um mundo que ainda não tinha a sua arte adequada, refletida. De alguma forma, antes dele, a arte era antiquada quanto a esses valores. Era preciso criar uma arte que realmente tivesse a ver com a sociedade de consumo, que respondesse aos desejos dos objetos, do fetiche. Mas por quê eu disse que a Pop Art é cruel?

– Porque, para mim, ela revela o mundo tal qual ele é. Sem blablabla, sem rodeios, sem brincadeira. O qq 66 achäm?

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Tradução – Lição I

Primeira lição da tradução: antes de tudo, sinta as palavras. Expressar tem a ver com os sentidos, não com a iteração que persiste na tradução. Sinta as palavras pelo que elas querem dizer.

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Sedução e roubo

Estou PILHADO com as coisas que descubro nas minhas pesquisas nos arquivos de Londres. Estava revirando papel velho (mentira, aqui é tudo digitalizado, você só revira papel velho se quiser) e encontrei uma série de processos de roubo, na verdade de casos de cleptomanias em que o sujeito é primordialmente, mas não primitivamente, movido pelo desejo de levar. I want it, I take it, but I won’t pay for.

Encontrei o caso paradigmático de Elizabeth Owen. Ela foi acusada de roubar alguma fazenda e metros de linho em 1748. Enquanto tentava distrair a proprietária da venda pedindo por diferentes tipos de tecidos, Elizabeth enfiou por debaixo dos seus “panos” alguns metros de tecido e saiu em disparada rua afora. Agarrada no entanto enquanto fugia, foi julgada e condenada pelo roubo e sua pena foi a deportação para a América, isto é, para a América Inglesa (futuro U.S.).

O mais irônico disso tudo é porque a mesma Elizabeth Owen (ou uma homônima, o que me cabe ainda averiguar) já havia sido surpreendida alguns anos antes furtando, na maior cara de pau, alguns metros de tecido, chapéu, tecidos finos e uma outra fazenda de uma loja em Maryland. Também neste caso foi julgada e condenada a passar férias forçadas fora da Inglaterra. Elizabeth também foi vítima de roubos. Durante a visita de Mary Stevens, Elizabeth, esperta como ela é, se deu por falta de dois talheres de prata e, evidentemente, acusou Mary de tê-los metido a mão. Não se fez de rogada e foi atrás de Mary arrancando, depois de alguma persuasão, a confissão de que a mesma havia levado os objetos consigo.

Sei que os ingleses têm uma história de pilhagem, porém acredito que as duas histórias se conectam pelo tipo de roubo em comum. Quero dizer, ainda que artigos de fazenda a prataria sejam objetos de valor e uso disseminado no Ocidente, entender por quê alguém é motivado a roubar tais tipos de coisas ao invés de COMIDA me faz pensar que, antes de tudo, no roubo, o desejo tende a imperar sobre a razão (ou precaução). Rouba-se o fetiche da posse, assim como o capitalismo rouba a possibilidade de ter. O primeiro dos roubos em espécie. Nem os comunistas deixaram de roubar. Acredito até que a história do dinheiro poderia ser escrita com o tema dos furtos conhecidos e dos sob suspeita. Cultura material do roubo. Tudo muito americano. Andy Warhol intuiu bem, o desejo e a posse são dois elementos que nunca se esgotam pelas prateleiras dos mercados.

"I did fifty Elvises one day"

Desejo é a lei do mercado. O roubo, o mais sacana dos amantes – que deve permanecer necessariamente amante, escondido e interdito, para preservar a convenção do amor. De um lado valor, do outro mais valor.

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SUPERB. Não há melhor avaliação para essa peça aqui do que esta palavra explendidamente explícita, sublime.

Ouvi falar do grupo Zimmermann e De Perrot – na verdade é uma dupla, dois jovens suiços Martin e Dimitri que emprestaram seus sobrenomes para a “companhia” – enquanto eu folheava a Time Out de Natal para fazer planos de Ano Novo. Eu sabia que o mês de janeiro iria ser de congelar, então procurava algo para esquecer a hostilidade do clima, quando notei a chamada do espetáculo “Öper Öpis”: uma peça de dança em que música, moda, arte visual e circo se integram em um palco instável. Curioso, né?

Ontem li no jornal que a estreia seria hoje, corri para o site do Barbican Center e, por sorte, havia um ingresso para a fileira H poltrona 34. Nada mal. Comprei o meu ingresso com um pouco de receio de ser blablabla de crítico de arte, vai saber. De qualquer maneira, se tudo for ruim, pensei, vou pelo menos conhecer as instalações do Barbican Center. Bom,o BC passou por umas reformas ao longo da sua existência e o teatro está impecavelmente novo. O seu interior é composto por uma decoração discreta porém visivelmente distinta; aliás, é assim que sinto a VIBE de Londres, discreta mas inegavelmente distinta. Entrei, sentei… não, digo, quando eu entrei a dupla Martin e Dimitri já estava no palco!

Não foi atraso meu, os dois já estavam em cena construindo o mundo, quero dizer, trabalhando no cenário quando a plateia entrou. No palco, basicamente 4 ou 5 cadeiras, uma mesa, algumas ripas e pitocos de madeira, uma caixa de som e, claro, a plataforma instável onde se desenrolaria a maior parte da peça. Em uma das extremidades dessa plataforma estava instalada a mesa de mixagem de Dimitri, simples e rolante. Acima dela um miniglobo de espelhos suspenso por um barbante amarrado à quina da plataforma móvel. O palco é engenhoso porém de uma visão simples.

Apagam-se as luzes, o espetáculo começa: um barulho simula uma estaca, que se repete, se repete. Em cena, apenas Martin que pacientemente constrói o mundo para interagir, ou se distrair. Entra uma mulher, habilidosa, gestos determinados e sensuais e em sequência os demais atores – uma mulher em saias curtas e provocante, um boa-pinta em linho branco, um gorduchinho simpático e bruto, uma figura achatada como se tivesse em deformidade com o corpo, além da citada mulher habilidosa. Junto com Martin, eles se olham, se chocam, apresentam-se para o mundo, mas à medida que a peça vai se desenvolvendo os gestos vão ficando mais graves, complexos, algumas vezes sensuais noutras extremamente rígidos – os extremos instalados e se tocando na instabilidade do palco. Há celebração e solidão no movimento.

Dimitri, o Dj, comanda o ritmo e, ao mesmo tempo, é comandado pela ação em cena. Com o microfone em suas mãos, ele atinge sonoplastias inusitadas a partir da coreografia dos artistas. Pode-se dizer que a peça tem uma trilha praticamente inédita, ainda que vulgar. Martin, por outro lado, em jeans e gravata, desempenha o papel de um deus trabalhador, construindo e desconstruindo o mundo ao seu redor. O palco – uma plataforma de madeira suspensa em algo que lembraria uma mola – responde com desequilíbrios a cada passo dos atores em cena. Como o chão do mundo, ele é instável, balança, lança um movimento, surpreende a cena no seu ato. Magnífico.

Após o espetáculo, a dupla Zimmermann e De Perrot foi convidada para uma conversa com o público – já que, por ocasião do MIME Festival, era noite de estreia da peça em Londres – de fala tropeça e por isso mesmo bastante humana, os dois jovens criadores responderam algumas perguntas feitas pela plateia. Uma delas foi: “como vocês resolveram o problema da atuação nos ensaios sobre o palco instável?” A resposta? “Nós não resolvemos”.

Os dois evitaram qualquer comentário rasante e arrasador acerca dos estereótipos da peça – a mulher gorda e provocante simboliza o quê na peça? O sedutor de camisa aberta e terno branco é a figura do machão em cena? -, quero dizer, o estereótipo é criado na mente de cada um, cada um preenche de sentido as formas vazias e pulsantes que são os corpos dos atores. Dimitri e Martin também encontraram dificuldade em traduzir o título da peça “Öper Öpis” para o inglês, mas depois de muita cantinela da plateia, disseram que a tradução seria algo como “Somebody something”. De fato, depois de saber o que o título significava, compreendo a renúncia dos criadores em “explicar” para a plateia “o que são” as personagens da peça: “algum alguém”. Simples e complexo. Fiquei EXCITADO com a atitude de amabos e fui ao gozo quando eles falaram “o palco reflete a gente, a nossa vida, os nossos sentimentos com o mundo, o chão sem nível e cercado de riscos que demanda uma ação; encontrar uma solução quando tudo em volta se altera é o segredo disso tudo”. Resposta de uma clareza fina, impronunciável.

Depois disso, a única pergunta que eu queria fazer era: “qual dos dois quer casar comigo?”

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Rainha da Sucata, na chón!

Confesso que nunca fui além da porta de entrada da HELP. Algumas vezes quando passava ali em frente, na Atlântica, já altas horas da noite, sempre olhava com curiosidade para o rebuliço que tomava lugar na frente da discoteca, porém nunca ousei entrar na buaty. A notícia de encerramento da HELP surtiu em mim então um tipo raro de tristeza, do melhor-fazer-antes-que-seja-tarde-demais. Estou longe, como vocês sabem, mas se eu estivesse no Rio certamente iria conferir a HELP de perto, por dentro, antes da demolição.

O bota-fora da HELP me chamou a atenção porque Copacabana já fora em seu passado endereço privilegiado das danceterias e discotecas da zona sul do Rio de Janeiro. Em 2008 tive a oportunidade de apronfudar-me no assunto e descobri que Copacabana ocupava um lugar ímpar na história da disco music. O bairro não apenas tinha um selo de música comercial disco, como também inspirou alguns embalos da década de 1970, como “Rio de Janeiro” de Gary Criss. No ano de 2009 escrevi um artigo para apresentar no Congresso da ANPUH intitulado Discotecas de Copacabana (se alguém tiver interesse em ler o artigo apenas manifeste-se nos comentários abaixo que eu envio). Minha atenção já estava completamente focada para a história da música disco no Brasil.

Mas voltando ao assunto da demolição, o fechamento da HELP parece atender propósitos com vieses bastante distintos – e dubitáveis. Politicamente, fechar a discoteca constitui uma forma, pelo menos simbólica, de eliminar do calçadão da Atlântica o famoso turismo sexual que ocorre na orla. Mais do que eliminar, com a construção do Museu da Imagem e do Som (MIS) que, enquanto museu, atua no campo das instituições – diferente de uma discoteca, que é uma casa privada de diversão – o tráfico de pessoas nas ruas próximas à HELP pode ser reduzido ou simplesmente controlado, com a suposta finalidade de se manter em segurança o lugar. Quero dizer, uma vez instalado o museu, as garotas de programa que frequentam e ganham pão nesse quarteirão provavelmente terão que se mandar para clubes ou caminhar para outras regiões da cidade, como a Glória ou mesmo a Avenida de Copacabana, logo atrás à Atlântica.

Por outro lado, culturalmente, pode ser que o MIS estimule o acesso à “cultura de museu” na população periférica do bairro, especialmente nos morros. A abertura de uma instituição de cultura na orla de Copacabana permite, sim, ampliar o interesse em cultura e com isso aumentar a frequência de pessoas que outrora não se interessariam por nenhum museu ou instituição de arte. Com a proximidade elas estariam mais dispostas a frequentar esses lugares. Mas também corre-se o risco de inibir o livre trânsito de desocupados e pobretões na orla, devido, provavelmente, ao aumento policial que crescerá no lugar, tornando o quarteirão um reduto de elites, encarecendo ainda mais a moradia, os serviços locais etc. Pode ser que nada disso aconteça, já que a atual sede do MIS fica exatamente em outro cartão postal da vida boêmia do Rio, a Lapa.

Muito dependerá da direção que se dará ao Museu, do tipo de apelo e exposição que se pretenda levar para o seu interior, em suma, vai ser preciso pensar nesses aspectos para evitar que no lugar do neón e da música barata erga-se apenas mais uma barreira, mais um muro e uma música ridícula a abafar os ventos da cidade. Porque com um museu na sua orla, há a possibilidade de que Copacabana perca essa liberdade solta e assaltante que corre na suas ruas, caso a intenção dos projetos urbanos para o bairro seja mesmo a de restringir a circulação de pessoas nas ruas, atraindo-as para instituições ou lugares fechados. Vale recordar que projetos como o de Lúcio Costa para a zona Oeste do Rio se perderam e foram apropriados de maneira desordenada e indevida pelos condomínios fechados na região justamente por falta de orientação política. Esse mundo de possibilidades que apresentei não é exagero ou hipermetropia. Para mim, no Rio, todo possível parece restrito quando se tem em perspectiva a diversidade e imprevisibilidade que caracteriza a vida multicultural da cidade.

E Copacabana, na minha opinião, é exatamente um desses lugares que exemplifica o diverso na biografia da capital. Sua história legenda também parte da nossa cultura nacional. O bairro apresenta de longa data uma relação íntima e ao mesmo tempo ambígua com os estrangeiros. Após o fim da Corte com a queda do Império em 1889, os bairros de Botafogo e Copacabana se expandiram e aumentaram as suas populações, assim como o Catete e o Flamengo. Com a construção dos túneis de Botafogo a ligar Copacabana ao centro da cidade e do Hotel Copacabana Palace, o bairro ganhou destaque e logo logo apresentou crescimento demográfico elevado. Este processo nunca parou, ganhando as encostas dos morros Tabajaras e do Cantagalo quando no asfalto não havia mais espaço, quando os edifícios de apartamentos espaçosos foram substituídos por andares de conjugados para atender a especulação imbiliária. A convivência do luxo e do lixo remete a um verdadeiro clichê quando se tenta expressar a diversidade e ambiguidades do bairro.

Outro ponto que me chamou a atenção na querela da demolição da HELP foi o projeto vencedor do MIS. Assinado por um escritório de arquitetura com sede em Nova Iorque, o projeto parece estar de acordo com os novos experimentos da arquitetura mais-que-moderna, porém é assinado por um escritório estrangeiro. Por que os arquitetos do país não foram capazes de apresentar um projeto para a sede do Museu ou de serem eleitos pelo juri para a sua execução? Por se tratar de um escritório internacional, será que o projeto do novo edifício foi criado atento às bizarras especificidades do bairro carioca? Adoro as brancas e largas fachadas dos edifícios de Copacabana e seria esplêndido que na execução da obra do MIS essa paisagem fosse levada em conta, assim como mereceria destaque o seminatural colar de pérolas que orla a avenida Atlântica. Na realidade o escritório Diller Scofidio, ao que sugere, foi atento a esses pontos e ao entorno de Copacabana – que é preenchido tanto por mar, pedras e blocos de prédios. Aqueles três elementos são apresentados em comunhão, apesar de em termos de textura ainda não se saber qual será a solução dos arquitetos. Talvez por este respeito ele tenha vencido. Ponto para NYC, ponto para o estrangeiro.


O foco do museu, contudo, não está apenas sobre o trabalho morfológico da sua construção. A abertura e o acesso ao museu precisam igualmente se inserir na vida agitada que caracteriza o bairro, sobretudo por se tratar de um Museu da Imagem e do Som. Afinal, como dar conta da não-identidade urbana de Copacabana – habitat natural de estrangeiros, imigrantes, nordestinos, mineiros, cariocas e mais uma penca de nacionalidades e origens as mais distintas que convivem nem sempre em harmonia mas em vizinhança? Essa não-identidade é talvez o esquema mais arroja… ops, cansei da palavra arrojado – o Brasil é rojão!, essa não-identidade é o estrondo, o rojão incomparável que o Brasil soltou no mundo. Que o MIS possa escutar a quadrilha.

Já nascemos modernos, então para onde aponta a transparência irrefletida e não transcendente do glass na cidade?

Para promover a integração do museu com a população é preciso estar com os olhos voltados para o Rio – já que construir em meio à mestiçagem pode ser libertador porém caótico -, livrar-se do preconceito e dos modismos e incorporar algo desse clima de Copacabana às exposições que acontecerão no museu. Para roubar uma expressão de Silviano Santiago, em Copacabana, como em todo o Rio, vivemos o cosmopolitismo do pobre, acostumados ao mesmo tempo com a miséria e com a riqueza que cercam a cidade. Compartilhamos a escassez diante das vitrines do luxo. Vivemos em luxúria mesmo quando revoltados de pobreza. Rebate-se o provincianismo no assalto moleque ao velho gringo. Somos definitivamente modernos.

Com todos esses afins e poréns, a minha mais profunda ressalva cai simples: será que a cidade realmente poderá contar com essa obra à prazo? Qual ética a presidirá? Veja a coincidência no embalo das construções, a Cidade da Música permanece silenciosa sobre o seu colchão de mais de 670 milhões de reais e dorme com um barulho desses.

O fim da HELP (e do tradicional restaurante Terraço Atlântico ao lado) para mim é triste porque não poderei ir àquele lugar que tradicionalmente ganhou escárnio e desprezo durante os vinte e cinco anos de existência – que todavia expressa em Copacabana uma identidade e representação que sabe-se lá o que virá para substituí-la amanhã. Sem afundar em nostalgia, de tudo, quero o melhor. Sinto que o Rio está mudando, mas assumo o receio que vejo no escapismo embutido na retórica do novo, do arroto do arrojo, do discurso vidrado uníssono do ultramoderno em uma cidade atmosférica e clivada como o Rio de Janeiro. Para quem estava interessado, a HELP promoveu um leilão dos bens da Casa porém, infelizmente, o leilão foi encerrado com todos os bens arrematados e vendidos em praticamente um dia. Rainha deposta, viva a rainha!

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Cacá Diegues escreveu e dirigiu um dos melhores filmes que eu já vi que trata do estrangeiro em terra brasileira. Joanna Francesa, de 1973, narra a estória da sedutora francesa, Joanna, no Brasil em algum ano da década de 1930. Dona de um bordel na capital paulista, Joanna abandona a casa que dirige e parte em retirada acompanhando um senhor de engenho decadente para a sua fazenda no nordeste do Brasil. Chegando lá depara-se com a diferença de um estilo de vida – hoje quase extinto em seus principais traços e àquela época em radical decadência – em que o patriarca é o centro do mundo. Após um fato trágico, Joanna tem as fazendas em suas mãos, sob o seu comando, a partir de onde a trama da personagem estrangeira se enriquece com as situações do mundo pequeno.

O filme é interessante justamente porque lança o paradoxo dessa mulher estrangeira a comandar uma fazenda patriarcal. Afinal de contas, após a morte do patriarca, por que Joanna teria permanecido na terra estrangeira? Poderia ter se mudado de volta para a cidade grande, retomado o seu posto ou mesmo voltado para a França como muitas vezes seu irmão-conselheiro Pierre a havia incitado, porém escolhe permanecer naquele mundo hostil a sua imagem, de jecas, ex-escravos e criaturinhas bizarras de um interior pouco desbravado como era o Brasil na década de 1930. Joanna escolhe o mundo do engenho e a sua decisão é o que dá intriga ao filme.

Desafiada várias vezes quanto à capacidade de dirigir a fazenda, Joanna não responde a nada, não emite uma resposta ou se faz de temida, apenas segue mudando. Particularmente a cena do recital em que ela se apresenta em cigarrilha e melindrosa a tocar piano e cantarolar seu ritmo é uma das mais marcantes desse aprender e desaprender do estrangeiro e do Brasil. Ao seu tom, Joanna é estrangeira e ao mesmo tempo canibal, nativa, e para não perder o paralelo, avant-guarde como a antropofagia dos anos 1920 pretendia ser.

Cacá Diegues se nutre justamente desses mitos tão brasileiros e portanto universais como o estranhamento, a guerra e a incorporação do estrangeiro ao solo local em mais de um filme seu. Arriscaria a dizer que os mitos brasileiros são os personagens principais da cinematografia de Cacá, bem como nesse caso a década de 1930 é recheada deles. Há muito tempo que a década de 1930 tem inspirado estudos e uma série de polêmicas históricas e políticas que tomam justamente este limiar – a rebeldia dos 1920 e a institucionalização dos anos 1930 – como margem de decisões que poderiam ou não ter inventado uma outra história para o Brasil. Como década em que os mitos poderiam ou não ser diferentes dos que a partir daí recebemos hoje. Não à toa, como década em que a saga interpretativa de Gilberto Freyre sobre o Brasil ganha repercussão e peso.

Joanna Francesa sobre escravo

A comparação entre Cacá e Gilberto é simples, não é um daqueles casos de complexidades e intertextualidades ocultas, já que ambos se interessam por um universo de temas bastante semelhantes, com a abordagem do diretor a ressoar as invenções do sociólogo – escritor. Comparação simples mas não ligeira, por isso guardo a oportunidade para um artigo futuro porque o assunto merece mais do que algumas linhas.

Apenas como aperitivo, assim como o autor de Apipucos, Cacá Diegues faz o registro neste filme preto no branco do estrangeiro que estoricamente – em ação – constrói-se tropical. Uma construção de mortes, controversa, intranquila porém lisonjeira, que se desenrola no plano íntimo distante dos ápices políticos. Com a nação sob contexto, a música de Chico Buarque “Joanna Francesa” no seu jogo de imagens entre os idiomas francês e português explode a palavra tropical na aceitação francesa, fazendo-a acordar diferente, enfeitiçada. Joanna é o mulato, o escravo que ri montado sobre si mesmo. Joanna é a mestiçagem, assim como a patriarca. Joanna é francesa, cortesã estrangeira que tem em seu gênero a tarefa da reunião e do gracejo aos quais não se renunciam o drama nacional brasileiro.

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Sei não. Tenho lido que as coisas na União Europeia não andam muito bem das pernas. Além da sensação de crise e do aumento do desemprego nas principais capitais do continente e em Londres, os governos dos países estão dificultando a entrada de imigrantes para ocuparem postos de trabalhos que poderiam ser preenchidos por mão de obra nativa. Ou seja, globalização sucks, I mean, stuck.

Não foi difícil perceber desde que cheguei em Londres que nos jornais locais a palavra crise vem aparecendo vinculada à economia do país. Será de fato que a crise é do país? Particularmente não chega a ser grave a recessão no Reino Unido, porque se há uma crise econômica, por outro lado existe uma estrutura que pré-existe a essa crise, impedindo que a recessão seja mais grave do que se passasse, por exemplo, na Namíbia ou em Angola. Essa estrutura chama-se Estado, leis protetoras dos cidadãos.

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Esquecendo-se dessa estrutura, todas as notícias de crise são iguais, aqui ou em qualquer lugar do mundo. Se bem que Dubai me despertou a atenção. Mas vejam: os principais credores endividados em Dubai são justamente os bancos britânicos, como o HSBC, que emprestaram dinheiro para o Emirado de Dubai ser o que é hoje. Em meio a crise ou ao temor dela, temem a bancarrota e por isso querem resgatar o dinheiro aplicado no paraíso árabe. Not so easy, babe. Seria realmente difícil recuperar este investimento de uma só vez, não? Ainda mais se tratando de uma cidade com ilhas fantasiosas em meio ao deserto da arábia, como é a cidade de Dubai. Li no jornal que vários estrangeiros que buscaram em Dubai o Ouro do Neo-Novo-Mundo, abandonaram as suas casas e mesmo os seus carros nos estacionamentos dos aeroportos da cidade com bilhetes do tipo “sorry”. Ok, a parte dos bilhetes eu inventei. Mas a história dos carros saiu em vários jornais no ano passado, como aqui, aqui e também aqui.

poor luxury car

Pesquisando sobre o assunto descobri que Inglaterra e Dubai têm uma história comum no passado que merece mais atenção. Agora o Brasil também.

Amaury Jr. é tendência, classudo, onde ele toca vira ouro. Ainda tenho na lembrança um episódio do programa do Amaury Jr. em que ele apresentava a inauguração de alguma casa de decoração em Fort Lauderdale e o accent dos entrevistados brasileiros falando em inglês me bateu nos ouvidos como corneta. Plim! Eles falam outra língua.

Em Londres todos os imigrantes se comunicam – ou tentam se comunicar – em inglês. Mas agora isso parece nem mais importar, as diferenças da fala não são piores que as diferenças de classe – que foram então elevadas a diferenças nacionais. Daí, sei lá, preciso olvidar um pouco a história para acreditar que isso realmente é só uma crise econômica e nada mais.

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